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Associação de Vila Nova da Rainha sem licença de utilização, admitiu arguido

O presidente da associação de Vila Nova da Rainha onde se registou um incêndio durante um torneio de sueca admitiu que o edifício funcionava sem licença de utilização e que não lhe ocorreu que esta fosse necessária.

“Não me ocorreu na altura”, afirmou Jorge Dias em tribunal, contando que a Associação Cultural Recreativa e Humanitária de Vila Nova da Rainha recebia apoios quer da Câmara Municipal de Tondela, quer da Junta de Freguesia, e nunca ninguém alertou para essa situação.

Jorge Dias começou ontem a ser julgado no Tribunal de Viseu por onze crimes de homicídio por negligência e um crime de ofensa à integridade física negligente grave.

O incêndio na sede da associação ocorreu na noite de 13 de janeiro de 2018. Nesse dia, o balanço foi de oito mortos e 38 feridos, entre ligeiros e graves, mas o número de mortos aumentou para onze nos dias seguintes.

Na acusação é referido que Jorge Dias, “ao não diligenciar pela legalização das obras efetuadas, impediu que o edifício cumprisse todas as normas de segurança”, concretamente no que respeita ao risco de incêndio.

Questionado pelo coletivo de juízes sobre se não deveria saber da necessidade de ter licença, uma vez que decorriam obras e que era um espaço aberto ao público, Jorge Dias justificou-se com a forma amadora como funcionam as pequenas associações: “vão-se fazendo as coisas”, sobretudo “ao sábado e ao domingo” e com a colaboração dos vários elementos da associação.

O único arguido do processo admitiu que, se pudesse voltar atrás no tempo, faria tudo de forma diferente, ou seja, teria garantido “todos os procedimentos legais” e, quando assumiu a direção, teria procurado saber “se as coisas estavam legais ou não”.

Segundo Jorge Dias, as obras iniciaram-se em 1992 e, apesar de ter estado numa comissão que organizou as festas de agosto de 1995 e 1996 (com o objetivo de angariar fundos para pagar dívidas ao empreiteiro e a uma empresa de materiais de construção), só em 1999 assumiu a presidência da direção.

O bar, situado no piso inferior do edifício (onde também havia casas de banho), foi inaugurado em 1998 e, quando assumiu a presidência, já estava aberto e a funcionar.

O arguido contou que, nessa altura, o edifício já tinha “as paredes do piso superior em cima, estava praticamente preparado para levar a cobertura”, que foi colocada já no seu mandato, “em ferro, com chapa de zinco”.

“As portas estavam como estão hoje, a única diferença é que eram de ferro e agora são de alumínio”, explicou, acrescentando que também “o acesso das escadas para o salão era igual”, apenas foi colocado granito nas escadas, porque ainda “estavam em tosco”.

Em 2001/2002 foi colocada no piso superior uma salamandra usada, disponibilizada pela câmara, e, em 2005, foram contactadas empresas especializadas para fazer um isolamento que resolvesse o problema da humidade e para colocar um teto falso, acrescentou.

Jorge Dias disse que, ao longo dos anos, as obras iam sendo feitas conforme os fundos que conseguiam angariar, mas, no âmbito de um protocolo celebrado em 2004 com a câmara, que lhes disponibilizou dez mil euros de apoio, avançaram mais rápido.

“A câmara municipal veio fazer a inauguração, apoiou, nunca me questionou sobre a licença de utilização”, garantiu, contando que quer nos torneios de sueca, quer nos aniversários da associação, costumava estar presente o presidente da câmara ou algum vereador em sua representação.

Que tenha tido conhecimento, a câmara nunca levantou qualquer contraordenação à associação por não ter licença de utilização, acrescentou.

Liliana Almeida, advogada que representa as famílias de algumas das vítimas mortais, disse aos jornalistas que o sentimento predominante é que de o banco dos arguidos “está demasiado vazio”, mas lembrou que decorre “um inquérito paralelo”.

“Nós formulámos um pedido e nesse pedido referimos quem são as pessoas que entendemos que deveriam estar aqui. Aguardamos que a justiça tramite os processos, que os senhores procuradores analisem e investiguem nesses inquéritos”, afirmou a advogada, mostrando-se convicta de que, futuramente, haverá “mais um despacho de acusação”.

O arguido e o seu advogado, Leopoldo Camarinha, escusaram-se a prestar declarações aos jornalistas enquanto decorre o julgamento.

Quer de manhã, quer de tarde, a sala de audiências encheu-se de pessoas para assistirem ao julgamento e darem o seu apoio a Jorge Dias.

Na noite de 13 de janeiro de 2018, pelo menos 60 pessoas participavam no torneio de sueca no piso superior, enquanto, no piso de baixo, estavam mais 15 pessoas.

A acusação refere que, devido ao “excesso de carga térmica” de uma salamandra, “a conduta de evacuação de fumos, entre o teto falso e a cobertura, rebentou, o que, por irradiação ao poliuretano projetado junto daquela fonte de calor”, deu origem ao incêndio, que se propagou rapidamente.

Como o salão não tinha uma via alternativa de saída de evacuação de emergência, as pessoas que estavam no piso superior “confluíram em pânico para a única saída com escadas de acesso ao piso térreo”, ou seja, 19 degraus sem a largura necessária exigida por lei e que terminavam numa porta de batente que abria para o interior.

A “massa humana a empurrar-se e a afunilar naquela direção” impediu a abertura da porta para o interior, “acabando as pessoas por cair umas sobre as outras”, acrescenta.

lusa

 

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