A companhia Trigo Limpo Teatro ACERT vai estrear em novembro “ELA”, um espetáculo de teatro e dança no feminino, que levanta questões sobre amor e doença, e no qual o espectador é convidado a “entrar na cabeça” de quem sofre.
“É um espetáculo no feminino, porque são três atrizes que fazem o espetáculo, são três personagens femininas que entram na história: uma bailarina, a sua mulher, escritora, e uma amiga comum, médica. É um trio que é quase um triângulo nesta história”, revelou o encenador sobre a próxima criação da companhia, que toma a designação do pronome pessoal, também sigla da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA).
Pompeu José falava aos jornalistas na apresentação da 27.ª edição do Festival Internacional de Teatro ACERT (FINTA), que decorre de 09 a 13 de novembro, e onde a Trigo Limpo Teatro ACERT vai estrear “ELA”, no dia 10.
“Sendo dramática, a história está muito bem escrita e tem um peso, o da doença. A bailarina começa a ter sintomas de ELA, Esclerose Lateral Amiotrófica, e começa a não se conseguir mexer”, desvendou.
A bailarina é casada com uma escritora, formam “um casal do mesmo sexo” e têm “os mesmos problemas de um casal de sexos diferentes, porque é a questão [é que] o outro não sofra o que a pessoa está a sofrer”.
“Muitas vezes, queremos que ela se afaste da nossa vida para que não entre no sofrimento. (…) A doença faz com que a pessoa fique fisicamente imobilizada, não consegue sequer falar, mas o raciocínio está incólume”, desvendou.
O texto é um original da dramaturga brasileira Marcia Zanelatto que, contou Pompeu José, a Trigo Limpo Teatro ACERT conheceu em 2010, no Festival Internacional das Artes da Língua Portuguesa (FestLip), no Brasil, altura em que foi desafiada a escrever para a companhia de Tondela, o que acabou por acontecer “há uns três anos”, com este texto.
“Está muito bem escrito e é o ponto de partida do texto, que é fabuloso, porque a Marcia [Zanelatto] escreveu aquilo que, presumivelmente, se passa na cabeça do doente nos últimos três meses de vida, tudo aquilo que imaginou, da memória da sua vida”, revelou.
Pompeu José adiantou que “ela diz muitas vezes que vive dentro da sua memória”, e dentro da memória “as coisas podem (re)acontecer juntas” e “ela organiza as memórias de uma outra forma e aquilo que o público vê é uma espécie de sonho”.
“Na minha opinião é mágico imaginarmos que vamos para dentro da cabeça de uma pessoa que está a finalizar, tranquilamente”, disse Pompeu José que está a encenar esta peça que conta com três “dança-atrizes”, tratando-se de um teatro com dança.
Sandra Santos, da Trigo Limpo, interpreta a escritora, mulher da personagem desempenhada pela bailarina (de facto) Leonor Barata, e a médica é Daniela Madanelo, “uma jovem que vive agora em Tondela e tem trabalhado” com a companhia de teatro da ACERT.
“Este grupo de três mulheres está no palco e, na estreia, e nos espetáculos em que puder, vai estar também a compositora Teresa Gentil, autora da música de cena, que a poderá tocar ao vivo, em piano. “Teresa Gentil [é] aqui da nossa região e [é] mais uma mulher na equipa”, disse o encenador.
Um “equilíbrio de sensibilidade” feminina que, no entender de Pompeu José, “aquela história acaba por pedir” até no próprio cenário, onde a produção está a “tentar criar um mundo novo, que é a cabeça daquela mulher”, e tentar “lembrar um bocadinho, não realisticamente, mas metaforicamente o que pode ser esse imaginário”.
O processo de criação tem “dado muito prazer” à equipa e tem sido também “muito rico na descoberta de como fazer, de como não entrar em excessos de dramatismos”, e como não se ser “ligeiro numa história que tem um peso grande”.
Um desafio a que os profissionais da Trigo limpo Teatro ACERT se agarraram “com muita coragem”, e cujo resultado será “de uma comunicação muito grande” com o público, inclusive com os alunos do secundário, onde querem apresentar a peça, por entenderem que “os vários assuntos da história podem interessar e provocar um debate agradável no pessoal mais novo”.
Pompeu José disse que “há ali matéria para comunicar fortemente algumas facetas da existência humana que, no dia-a-dia, está cada vez mais posta à prova”, e que a pandemia de covid-19 fez com que as pessoas estejam “mais atentas a estas questões”, assim como ao tempo.
“Já não dizemos que andamos aqui a perder tempo. Não, o tempo é mesmo para valorizar e relaciona-se com isto, o próprio texto a falar da questão do tempo. O tempo que passou é o único tempo que não foi vivido, o que foi vivido não passou fica na nossa memória e isso é giro, também como debate”, defendeu.
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