O presidente da Câmara de Tondela justificou ontem o facto de ter recebido pagamentos indevidos por deslocações em viaturas próprias com a interpretação feita pelo serviço de Recursos Humanos à forma como eram preenchidos os boletins de itinerário.
José António Jesus e o seu vice-presidente, Pedro Adão, começaram ontem a ser julgados no Tribunal de Viseu pelos crimes de peculato e falsificação de documento, que terão ocorrido entre 2010 a 2017.
Segundo a acusação, em causa está o pagamento de ajudas de custo por deslocações efetuadas em viaturas próprias que terão sido realizadas em viaturas do município.
José António Jesus (PSD) – que assumiu a presidência da Câmara em 2013, depois de ter sido vereador – admitiu ao coletivo de juízes que, muitas vezes, não colocava nos boletins de itinerário a indicação se tinha usado viatura própria ou do município nas deslocações.
“Quando tinha presente se era viatura própria ou viatura municipal, eu escrevia. Quando não sabia, ia em branco”, para o serviço de Recursos Humanos verificar o extrato da Via Verde do município e depois proceder ao pagamento em conformidade, justificou.
O autarca disse estar convencido de que esses “eram os procedimentos que o município fazia desde sempre” e que, só em 2017, quando a Polícia Judiciária solicitou documentos à Câmara, é que teve “noção de que havia incongruências”.
“Naqueles em que não havia informação (se era viatura própria ou do município), os serviços perceberam que era como estando a meter viatura própria”, explicou.
José António Jesus admitiu que, a partir do momento em que foi eleito presidente da autarquia, passou a ter “um conjunto de representações mais intensas que levaram a que não preenchesse com regularidade” os boletins de itinerário, chegando a acumular vários meses.
À exceção de “uma ou duas vezes” em que foi a sua secretária a preencher o boletim, habitualmente era ele que o fazia, baseando-se em dados da agenda que esta lhe fornecia.
Quando questionado se não se apercebia de que lhe estavam a pagar dinheiro a mais, o autarca respondeu que não, porque, como por vezes se juntavam vários meses, não tinha noção a que mês se referia o montante recebido.
José António Jesus foi confrontado com alterações de datas nos boletins de itinerário, que referiu ter feito na sequência da confrontação de documentos (agenda, boletins de itinerário e extratos de Via Verde do município), em julho de 2017, quando se apercebeu de que haveria inconformidades e quis perceber quais.
Por exemplo, uma deslocação a Coimbra foi mudada de 21 para 22 de setembro de 2015, porque, ao confrontar o boletim de itinerário com a sua agenda, verificou que, no dia 21, teve Assembleia Municipal em Tondela e não poderia estar em Coimbra, justificou.
José António Jesus disse ainda que várias pessoas (entre técnicos, vereadores e assessores) usavam as viaturas disponíveis para a presidência, o que muitas vezes obrigava a que usasse as pessoais.
“Não havia registo, nem pré-sinalização”, contou, explicando que, muitas vezes, a decisão de qual viatura levar era tomada no próprio dia, mediante a disponibilidade.
José António Jesus e Pedro Adão foram acusados pelo Ministério Público em dezembro de 2019. No início desse ano, durante uma reunião de Câmara, os autarcas anunciaram que já tinham devolvido o dinheiro recebido indevidamente: o primeiro entregou 11.099,76 euros e o segundo 10.144,68 euros.
Na altura, o Ministério Público disse ter requerido a perda de mandato relativamente aos dois arguidos.
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