O PS considerou imprudente avançar com a construção de um centro sobre Salazar em Viseu numa altura em que “florescem” ideologias de cariz totalitário, com PSD e CDS a defender que é preciso não apagar a História.
“Independentemente dos méritos do projeto específico, não parece prudente avançar com um centro interpretativo sediado neste local e neste equipamento e mais imprudente nos parece a iniciativa, quando na atualidade, quer a nível europeu, quer a nível nacional, assistimos ao florescer de elementos e ideologias nacionalistas, de cariz totalitário”, declarou Rosário Gamboa, deputada socialista.
A deputada intervinha no debate parlamentar sobre a petição “de repúdio e exigência de que se trave e abandone a anunciada criação do “Museu Salazar”, com esse ou outro nome, em Santa Comba Dão”, iniciada pela União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP) e subscrita por cerca de 11 mil cidadãos.
No dia 16 de junho, na discussão da iniciativa em comissão parlamentar, o deputado do PS eleito por Viseu José Rui Cruz sublinhou que o centro projetado não é um museu e que o objetivo é estudar a história do Estado Novo, o que pode ser também uma “homenagem às vítimas”, recusando a ideia de que venha a ser sinónimo de “uma romaria” de saudosistas de Salazar.
“Os proponentes declaram convictamente a importância deste projeto, que o mesmo não visa exaltar a figura do ditador, mas tão só divulgar a História e fazê-lo na medida do possível numa perspetiva pedagógica. Só podemos admitir que a pretensão é compreensível e os objetivos também o são, mas talvez o caminho escolhido não seja o mais adequado”, argumentou a deputada do PS.
Em 2019, a Câmara de Santa Comba Dão (PS), no distrito de Viseu, anunciou a intenção de requalificar a Escola Cantina Salazar, com o objetivo de aí instalar o Centro de Interpretação do Estado Novo, dando a conhecer, “de forma isenta”, uma parte da História do século XX, no qual não será incluído espólio pessoal do ditador.
A petição em debate solicitava ao parlamento que tome medidas que impeçam a concretização desse projeto, “ao abrigo do preâmbulo e o n.º 4 do artigo 46.º da Constituição, que proíbe as organizações que perfilhem a ideologia fascista”, efetuando “as diligências necessárias” para que “tal ofensa aos portugueses em geral, e em particular à memória dos milhares de vítimas do regime fascista do Estado Novo, seja definitivamente travada e abandonada”.
Pelo PSD, o deputado Paulo Rios de Oliveira alegou que há “pais que merecem que se saiba” o que foi o Estado Novo e “filhos que precisam de o conhecer”, alertando para o perigo do nome escolhido e questionando que público-alvo deverá ter o centro, para que não se corra o risco de este ser um local de romagem aos saudosistas do regime.
“Ser antifascista em 2020 é não permitir que o Estado Novo se esqueça, se branqueie, ou, para usar uma expressão da moda, se faça de um ditador um ditador fofinho”, considerou o deputado, ressalvando que o PSD acredita nas intenções dos promotores da iniciativa e na credibilidade das entidades científicas que suportam o projeto.
Pelo PCP, o deputado António Filipe argumentou que a história do que foi o Estado Novo “não se faz com a criação de locais de congregação de saudosistas do passado”, mas celebrando ” a memória de quem resistiu”, sublinhando a importância da petição num contexto de emersão de forças da extrema direita.
A deputada Alexandra Vieira, do BE, alegou que defender a construção de um ‘Museu Salazar’ é “trair a memória dos milhares de portugueses e portuguesas” que lutaram contra o regime e que importa homenagear “as vidas de resistência e de luta”.
Já a deputada centrista Ana Rita Bessa negou a pretensão do projeto de se criar um museu “de exaltação da figura de Salazar”, sendo o objetivo um centro interpretativo, argumentando que “querer apagar a História é um ato antidemocrático” e que, por definição, “a liberdade não pode ser limitada”.
As petições, iniciativa de cidadãos, não são votadas na Assembleia da República, mas os partidos podem associar ao debate projetos de resolução ou de lei — o que, neste caso, não aconteceu.
António Oliveira Salazar nasceu no Vimieiro, uma freguesia do concelho de Santa Comba Dão, mas a criação de um espaço dedicado ao período da história portuguesa em que viveu não tem sido pacífica ao longo dos anos.
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