Farturas polvilhadas de açúcar e canela, e pães com chouriço acabados de sair do forno geram habitualmente filas nas feiras e romarias portuguesas, muitas das quais não se realizarão este ano, deixando quem os vendia sem saber como sobreviver.
“Numa situação normal, por esta altura, teríamos praticamente tudo pronto para começarmos a trabalhar em Vila Real”, contou à agência Lusa Carlos Gonçalves, das Farturas de Lisboa – Brunato.
Ao Santo António de Vila Real, seguir-se-iam as Gualterianas de Guimarães, a Feira de São Mateus de Viseu, a Feira dos Santos de Chaves e o São Martinho de Penafiel.
Mas, devido à pandemia de covid-19, este não está a ser um ano normal e, por isso, Carlos Gonçalves e a família estão parados.
“Há mais de 40 anos que vivemos disto, não temos outro meio de subsistência. Costumávamos sair a partir deste mês, até novembro”, contou.
Por esta altura, estariam a trabalhar “três ou quatro funcionários, mais a família”, e, para julho e agosto, a equipa teria de ser reforçada com “dez ou doze pessoas”.
Para já, Carlos Gonçalves não consegue fazer uma estimativa do prejuízo, sabendo apenas que é bastante grande, até porque o negócio está parado desde novembro de 2019, mas “mantêm-se as despesas dos seguros, da logística, dos camiões, das rulotes” e da vida familiar.
“Somos como a formiga, juntamos durante o verão para gastar no inverno. Mas o que ganhámos no verão praticamente já foi”, lamentou o empresário, que mantém ainda a esperança de conseguir fazer as festas de Chaves e de Penafiel, em outubro e novembro, para ver se consegue “amealhar um bocadinho para o próximo inverno”.
Também António Oliveira está preocupado com o negócio da família, cujo sustento provinha da venda das farturas nas Festas Gualterianas e na Feira de São Mateus.
Só na Feira de São Mateus, que dura cerca de cinco semanas, a família Oliveira costuma ter entre 40 a 50 funcionários a trabalhar.
“São funcionários temporários. Muitos deles já vinham trabalhar connosco há vários anos, quer em Guimarães, quer em Viseu”, contou António Oliveira à Lusa, acrescentando que eram sobretudo “estudantes universitários que aproveitavam para juntar um dinheirinho para o tempo de aulas”.
Também O Tomarense, conhecido pelos pães com chouriço em forno de lenha e pelo caldo verde, está há meio ano sem fazer negócios.
“Quem vive só das festas e romarias e investe as poupanças para ampliar e modernizar o negócio está a sofrer grandes consequências”, afirmou Manuela Santos.
Num ano normal, os seus pães com chouriço teriam começado a ser vendidos no final de abril, na Festa das Cruzes de Barcelos, e terminariam em outubro, na Feira de Santa Iria de Tomar.
Pelo meio, poderiam ser saboreados nas festas do Senhor de Matosinhos, no São João de Braga, nas Gualterianas e na Feira de São Mateus, num “ciclo de rendimentos” de cerca de seis meses que este ano não se vai cumprir.
“Felizmente, a minha empresa é sólida. Tenho todos os meus impostos em dia, terei o ativo suficiente para fazer liquidez aos malditos impostos que, independentemente de não estar a trabalhar, tenho que pagar, mas a nível pessoal as coisas têm de ser muito mais controladas”, admitiu.
Habitualmente, tinha onze pessoas a trabalhar consigo, mas hoje “estão todas no fundo de desemprego”.
Dos pontos de venda de Márcio Saraiva também costumam sair aromas que atraem miúdos e graúdos aos crepes, ‘waffles’, bolachas americanas e tripas de Aveiro.
O negócio começou na Feira de São Mateus, em Viseu, que é o grande evento que o consegue sustentar durante o ano, mas costuma também participar noutros, como feiras do queijo e festas da cidade, muitas das quais foram canceladas.
“Ainda não fiz contas, mas o prejuízo será muito grande”, frisou.
Outro produto muito apreciado é a ginjinha, que Eunice Batista vende, quer em grandes certames, como a Feira de Março de Aveiro e a Feira de São Mateus de Viseu, quer em pequenas festas de aldeia.
“Quando isto (a pandemia de covid-19) começou, ia arrancar a época forte”, disse Eunice Batista à Lusa.
Ainda que consiga ir realizando alguns eventos durante o inverno, o cancelamento da Feira de São Mateus é “o que mais transtorno causa, porque é uma feira muito intensa, muito boa”.
“A época de inverno é muito mais fraca. A partir de março/abril, até setembro, é que realizamos dinheiro para os meses em que não trabalhamos ou trabalhamos menos”, contou.
Com os lucros deste verão perdidos e poucas esperanças depositadas no que acontecerá a partir de outubro, estes empresários não conseguem vislumbrar o que o futuro lhes reserva.
“Nunca estive tão ansiosa que chegasse dezembro, para ver se 2021 nos traz mais tranquilidade, muita bonança e a vacina”, frisou Manuela Santos.
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