Ao fim de oito sessões de julgamento, chegou finalmente o dia em que Pedro Dias, acusado de ter assassinado um militar da GNR e um casal com que se cruzou na fuga, contou a sua versão dos factos sobre os crimes de Aguiar da Beira.
No arranque da sessão desta quinta-feira no Tribunal da Guarda, Pedro Dias começou por dizer que “Parei num local ermo às 11 e meia da noite. Vinha com sono, estava cansado, ia tendo um despiste e parei. Não parei na localidade [de Aguiar da Beira] porque as pessoas são desconfiadas à noite e por isso escolhi um local ermo”. “Ainda pensei ir até Sátão para levar a minha filha à escola de manhã, mas estava muito cansado”.
Pedro Dias explica que tinha uma arma e revela a razão: “Tinha no carro uma arma, mas não tinha mais nada. Não sei quantas munições levava. Tinha uma arma calibre 7,65 mm. Tivemos problemas com cães selvagens na zona, por isso é que eu andava armado.
Naquele dia lembro-me de falar com a minha mulher. Ela tinha acabado de dar leite ao meu filho”. “A noite estava fria, com muito nevoeiro.
Não senti nenhum carro chegar ao pé de mim. Quando acordo tenho uma pessoa a meter a lanterna na cara. Estava deitado e tive a perceção que eram dois GNR. Deixei cair a manta que me estava a tapar. Nesse instante o agente do lado esquerdo manda-me sair. Ele volta a perguntar o que estava a fazer. Disse que tinha problemas de sono”.
O GNR insistiu e perguntou o que estava Pedro Dias a fazer naquele local, ao qual ele respondeu que era um sítio suspeito. “Eu fui buscar os documentos e vi um segundo militar a colocar a pistola no coldre”
“Mandaram-me ir ao carro da GNR. Tenho ideia que foi o Caetano que tomou conta dos meus dados pessoais. Entreguei os meus documentos. Viram o bilhete de identidade e ligaram para o posto onde perguntaram se eu tinha processos pendentes. Fizeram este contacto no rádio da GNR. Do outro lado responderam que o veículo tinha outro nome de proprietário. Fiquei surpreso. O carro era de uma amiga minha e pensei que estava em nome da empresa”.
“Expliquei que até tinha levado a carrinha à inspeção. Não sabia que tinham mudado de documentos. Nessa altura comunicam com outro posto da GNR, também por rádio”.
“O senhor Ferreira ficou a falar ao rádio e o Caetano levou-me até a minha carrinha. Voltou a perguntar o que estava ali a fazer num sítio tão esquisito”.
“Não estou a fazer mal a ninguém, disse Pedro Dias.
Pedro Dias afirma que Caetano começou a mexer na porta do passageiro da carrinha. “Tinha mochilas com roupa. Disse a rir que eu devia viver na carrinha e eu disse que não. Tinha dossiers com documentos e ele abriu, viu as fotos do meu filho”.
“Voltamos a aproximar-nos do Ferreira. Voltaram a falar e o Ferreira foi fazer um telefonema afastado. O Caetano voltou a insistir nas mesmas perguntas. O que é que eu estava ali a fazer.
O senhor Ferreira aproximou-se e trocam de posição. Vai a traseira da carrinha e volta a abrir os sacos.” “Disse-lhe que a única coisa ilegal que tinha era um gerrican com gasóleo. Ele viu que era gasóleo. Perguntou-me quantos cavalos é que eu tinha e eu achei estranho porque ele não me conhecia. Uma pergunta que me fizeram no início foi se eu era o Rui, nunca percebi o porquê”.
Entretanto o Caetano sai da obra do hotel e chama o Ferreira. Falam em qualquer coisa e o Caetano vem com algemas. Eu estava calmo. Dei um passo atrás e disse magoou-me. Deu-me um empurrão.”, conta. “Afinal estás aqui a roubar-me”, disse-me ele. “Deu-me um pontapé na perna esquerda e chamou-me ‘pilha galinhas’. Deu-me um murro no rim e fiquei assustado. Os senhores GNR eram maiores que eu. Tive medo.
O Ferreira disse-me para ter calma. Eu só estava a proteger-me. Disse que estava por bem. Deu-me mais dois murros no rim. E eu disse-lhe que ia fazer queixa ao meu advogado. E deu-me mais um murro com as algemas na cara e eu cai. Fiquei no chão. Senti uma dor lancinante”, explica Pedro Dias. “Levei mais um murro e pontapés. Já estou caído e levo mais uma joelhada e pensei tenho de parar aqui.
Puxei da minha arma. E viro-me para trás e atirei”, confessa Pedro Dias. “O meu objetivo era assustar com a arma, mas a arma disparou. O meu objetivo não era matar. Depois apontei a arma ao senhor Ferreira e disse-lhe: está quieto”, explica o homicida de Aguiar da Beira.
“Disse ao senhor Ferreira para levantar os braços. Não tive noção que o Caetano tinha morrido. Bati-lhe na bota e disse: «Deixa-te disso e levanta-te». Foi quando o Ferreira disse: «Mataste o meu colega», relata Pedro Dias. “A minha cabeça estava uma confusão e eu só queria ir dali para fora. Disse ao Ferreira para entrar no lugar do condutor sempre a apontar-me a arma. Não me lembro do que lhe disse, nem sei se lhe disse para ir a algum local especifico. Disse-lhe para andar em frente. O Ferreira disse-me para me ir embora e que resolvia a situação.
Disse-me para não o matar e que havia de resolver a situação”, conta.
Pedro Dias levou Guarda Caetano na mala do carro.
“Andei com o guarda Ferreira no carro durante muito tempo sem direção. Ao fim de algum tempo decidi voltar ao Hotel da Cavaca porque o corpo do Caetano ainda lá estava no chão. Tentei apanhar a pulsação do Caetano, mas já não existia. Já estava com uma cor muito amarela. O Ferreira ajoelhou-se ao pé do corpo. Chamou por ele e disse: ‘O meu colega está morto'”, recorda Pedro Dias.
“Disse ao Ferreira para meter o corpo do Caetano na bagageira do carro-patrulha. Ele não o queria fazer. Antes tinha-lhe pedido para retirar o colar dele e do Caetano, sempre a apontar-lhe a arma. Estava de cabeça perdida. Confuso. Não sabia o que fazer”, refere. Pedro Dias confessou sentir muito medo naqueles momentos. “Eu estava sempre de olho no Ferreira. De cada vez que ele fazia um movimento eu avisava-o: ‘Vê lá o que fazes'”, recorda.
Em seguida, o homicida de Aguiar do Beira diz ter colocado os colares e as armas dentro do carro do GNR, para onde voltou a entrar novamente com o Guarda Ferreira. “A minha ideia era sair dali para fora. A confusão na minha cabeça era enorme. Eu só pensava que se o deixasse ali era a palavra dele contra a minha, eu não estava a pensar bem”, diz. “Lembro-me de dizer ao Ferreira: ‘Vocês estragaram-me a vida toda. Porque é que o fizeram?'”, refere.
“Dizia-lhe para andar para a frente. A minha ideia era ir para um local onde tinha deixado uma mota. Estava nevoeiro. À chegada vejo um núcleo de casas afastadas do alcatrão. Sabia que a mota estava ali. Não era fácil encontra-la porque estava escuro. Voltamos para a estrada. O Ferreira disse que arranjava um cigano qualquer para culpar”, conta.
Pedro Dias acusa militar da GNR de matar Luís Pinto e disparar sobre Liliane.
“Eu disse-lhe: ‘Estás a fazer de mim burro’. E continuamos a andar sem saber para onde. Não tenho noção por onde andamos. Voltamos a passar depois em Aguiar da Beira. Entramos em direção a Sátão. Fizemos quilómetros e disse-lhe para voltar para trás. Eu queria afastar-me. Acabar com tudo. Ia entregar-me”, disse. “Disse-lhe: ‘Senhor guarda faça inversão de marcha’. Lembro-me de um carro parar atrás de nós. Fez sinal de luzes. Sai alguém do lado do condutor. Disse ao Ferreira: ‘vê o que vais dizer'”.
“O Guarda Ferreira é que disparou sobre a senhora e o senhor” Pedro Dias.
O condutor do carro dirigiu-se ao lado de Pedro Dias. O Ferreira sai do carro. “Eu saio para fora do carro e quando olho o senhor Ferreira está a dar um tiro. Tentei que o senhor [condutor do outro veículo] fugisse. Ouço outro disparo. Disse-lhe: ‘a senhora fuja'”, conta. “E ouço dois ou três disparos”, conta. “Encostei-lhe a pistola a cabeça e disse: ‘ou atiras a pistola ao chão ou mato-te'”, descreve Pedro. “O Ferreira é que disparou sobre a senhora e o senhor.
Quando cheguei perto dela vi que não se mexia. E que o senhor estava caído ao lado do carro. Ele [Luís] estava caído na lateral do carro e tinha sangue na cara. Não pensei em ajudar. Não pensei em nada. Só queria imobilizar o guarda Ferreira’, diz. “Obriguei-o a ir à minha frente. Fui dentro do carro e tirei as algemas e obriguei-o a algemar-se ao puxador do carro, no assento do passageiro. Eu fui para o lugar do condutor e arranquei dali. Ainda era noite e estava muito nevoeiro mas estava a amanhecer. Só pensava em como havia de desaparecer”, conta Pedro Dias. “Conduzi até um sitio isolado onde tínhamos já estado parados. Tirei outras algemas do carro e disse-lhe para se algemar a um pinheiro à beira daquele caminho. A minha ideia era deixa-lo ali para ter tempo para fugir. Disse-lhe que alguém o havia de encontrar.
Homicida afirma ter disparado contra Ferreira.
Pedro Dias diz ter ficado mais descansado depois de o ver algemado e afirma que o militar o agrediu. “Mas não sei como, ele atirou-se a mim e eu disparei. Perdi todas as forças. Achei que o tinha matado e pensei em dar eu um próprio tiro na cabeça. Mais uma vez, eu só queria sair dali e afastar-me o mais possível.
Voltei a pegar no carro patrulha e regressei ao local onde o casal estava caído”, descreve. “Meti o carro patrulha num caminho de terra e fui ver como estava a senhora. Ela estava muito fria e não senti pulsação. O senhor também não tinha pulso. Acabei por arrastar o corpo do senhor para ao pé da senhora”, diz. “Não dei tiro nenhum na presença dos civis. Eu protegi-me atrás do homem [Luis] quando o guarda Ferreira disparou a primeira vez. Depois empurrei o homem na direção do guarda quando este estava a dois metros de mim e ouvi outro tiro. Eu fugi e tenho ideia de ter ouvido mais dois ou três disparos. O casal foi atingido por disparos acidentais do guarda Ferreira quando disparava na minha direção. Não vi porque estava a fugir. Depois escondi os corpos do casal e fugi no Passat que estava na berma da estrada”, afirma.
Pedro Dias explica fuga após homicídios.
“Deixei o carro no meio do monte perto das Caldas da Cavaca, onde tudo começou e onde ainda estava a minha carrinha. Fiz um percurso a pé de cerca de cinco minutos até a minha carrinha para me ir embora”, diz. “Ainda peguei na carteira e no telemóvel do Sr.Luis. A carteira estava no chão e tinha 60 euros. O telemóvel estava no tablier do carro. Levei a carteira que era para usar a carta de condução da pessoa se tivesse que fugir do país”, afirma.
“Disseram alto! E eu aproveitei para me esconder” Pedro Dias.
“Sabia que tinha de trocar de veículo. E por isso dirigi-me a Vila Chã para ir buscar outro veículo que ali tinha. Cruzei-me com a Cristina [ex-namorada] pedi-lhe para dizer que tinha passado a noite comigo se alguém perguntasse. Mas não lhe expliquei porquê.
Fui buscar outra carrinha e deixei a Toyota que trazia perto do campo de futebol de Algodres. A ideia era atravessar para Espanha e organizar-me de alguma forma com a ajuda de amigos. Mas recebi um telefonema de um GNR a perguntar se eu tinha sido mandado parar pela GNR, se tinha os documentos comigo e qual era a minha localização. Eu já ia a caminho de Espanha, perto de Porto da Carne (Guarda) no antigo IP5. Mas apercebi-me que tinha acabado de dizer ao GNR que me ligou que ia para Valladolid. Foi sem querer e percebi que já não podia seguir esse plano”, continua.
“Foi ai que decidi que tinha que ir para onde me sentisse mais seguro. Para onde pudesse ter ajuda de família e amigos e contactar com advogados. Decidi ir para Arouca. Fiz o percurso rapidamente mas parei no LIDL e comprei comida para três ou quatro dias”. “Ao chegar a um cruzamento perto de Arouca há uma operação. Uma pessoa dá-me sinal de paragem e dispara um tiro para o ar. Eu tive medo e acelerei ainda mais. Entrei num caminho rural, atravessei uma aldeia e levei a carrinha até onde podia levar. Depois peguei em duas mochilas e nos 60 euros da carteira do Sr.Luís. Atirei a carteira e o telemóvel para uma ribeira e apercebi-me que a GNR estava a chegar à carrinha”, descreve Pedro Dias.
“Deixei uma arma glock para trás mas prossegui com a outra glock e com a minha arma de 7,65 mm. Ainda os ouvi quando encontraram o saco com a arma que deixei para trás. Disseram alto! E ficaram ali parados algum tempo. Eu aproveitei para me esconder”, conta.
Pedro Dias afirma que não quis magoar nem matar Lídia da Conceição.
“Só à noite consegui chegar ao cimo da serra. E consegui passar a estrada onde estava uma patrulha porque aproveitei um momento em que um guarda pediu um cigarro ao outro. À medida que os guardas se vão movimentando eu também. E vou conseguindo aproximar-me de Arouca.
Nessa noite acabei por ir dormir a uma casa que eu sabia que estava fechada, mas já lá chego quase de dia. Eu só podia deslocar-me de noite. Cheguei à casa de moldes numa quinta-feira de madrugada. Mas antes tinha passada uma noite em outra casa (na casa de Moldes)”, diz.
“A mulher caiu sozinha no chão. Eu nunca a agredi” Pedro Dias “Na sexta-feira sai de casa para tentar contactar um amigo mas não consegui. No dia seguinte, já de regresso à casa de Moldes, estou a lavar-me e sinto um carro a parar e alguém a subir. Estava a aquecer água para me lavar. Cozinhei meio frango que roubei.
Quando a senhora mete a chave à porta eu agarrei-a pelo braço e puxei-a. A senhora gritava que queria ir embora e eu disse-lhe: ‘deixe-me ir embora a mim… deixe-me ir embora primeiro’. Disse-lhe que conhecia a mãe dela e que estava ali por bem. Mas entretanto outro senhor veio à porta e eu puxei-o também para dentro. A mulher caiu sozinha no chão. Tinha-se magoado. Eu nunca a agredi. Mandei-os sentar na cama e acabei de me vestir, calçar e meter umas coisas na mochila. Pedi o relógio ao senhor. Deixei de lhes apontar a arma quando o senhor começou a acalmar a senhora. Pedi o carro ao António e ele disse-me para o levar mas para não lhes fazer mal. Disse-lhes que não o ia fazer. Que só precisava de três horas para fugir”, afirmou.
“O Sr.António disse-me que não precisava de o amarrar que ele não ia chamar ninguém. Mas eu disse-lhe que tinha que o amarrar.Fui buscar duas batatas. Ao amordaçar a senhora percebo que tinha um corte cara. Tenho presente ter dito qualquer coisa do género: ‘já que dizem que eu matei tanta gente…’ [em tom de ameaça a Lídia da Conceição]. “Eu disse-lhe que voltaria dentro de duas ou três horas mas só para ganhar tempo para fugir, porque nunca tive intenção de voltar. Antes de sair de vez voltei a casa umas duas ou três vezes, para ir buscar coisas e também para eles acharem que eu podia chegar a qualquer momento. A ideia era que eles permanecessem quietos o maior tempo possível. Não me lembro a que horas sai de casa. Deveria ter sido entre o meio dia e as 14h00. Passei junto ao túnel do Marão por volta das 15h00.”, descreve.
“A minha intenção não foi magoar ou matar a Sra. Lídia ou o Sr. António. Apenas manietá-los para ter tempo de fugir. Abandonei o Opel do Sr.António na Aldeia de Carro Queimado, em Vila Real”, disse.
A sessão termina para almoço e fora do tribunal ouvem-se gritos das irmãs de Lídia da Conceição. “Mentiroso, mentiroso”, dizem afirmando que a versão de Pedro Dias é falsa e que assim que Lídia entrou na casa de Moldes foi agredida pelo homem.
CM
Comente este artigo